Bom Gourmet, Gazeta do Povo, 30/07/2016 – Curitibana cria a primeira escola de sommelier de chá do Brasil

A vasta cabeleira esconde uma cabeça constantemente fervendo. De ideias. Para tentar organizar seus múltiplos papéis entre empresária, designer de chás e uma das principais pesquisadoras da bebida no Brasil, Dani Lieuthier separou as manhãs para seu projeto mais recente, o Instituto Chá, e as tardes para a casa de chá que inaugurou em 2014, a Caminho do Chá.

Desde o lançamento do instituto, em março, sua atenção está quase integral ao projeto: é a primeira escola de sommelier de chás do Brasil e o conteúdo foi alinhado com uma das sumidades internacionais no assunto, Jane Pettigrew.

A especialista Dani Lieuthier. Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo| Daniel Castellano

Desde que voltou ao país após uma viagem de nove meses pelo mundo, Dani colocou em prática a experiência que acumulou nas suas mais de dez mil milhas percorrendo França, Inglaterra, Turquia, China, Tailândia, Taiwan, Marrocos e Geórgia e organizou em apostilas o conhecimento absorvido de seus 12 mestres do chá. O Instituto tem duas propostas de formação: um curso de oito horas para “tea lovers” (R$ 600) e um de 56 horas para formar sommeliers de chá, de quatro módulos com informação sobre 17 países em formato anual, semestral ou intensivo (R$ 3.700).

Os módulos também podem ser cursados separadamente (R$ 1.200 cada), e para obter o certificado é preciso ter cursado obrigatóriamente o módulo 1. As turmas são de dez pessoas e há inscrições abertas para Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo. Para o curso de oito horas, há turmas previstas para São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis e Recife.

Dani descobriu a bebida na França enquanto trabalhava como babá, e ao voltar à América do Sul, estudou na Escuela Argentina de Té. A Caminho do Chá começou em 2013 em uma viagem por oito países da Europa e Ásia, quando criou um blog com o mesmo nome para contar sua experiência trabalhando em plantações, casas de chá e todas as descobertas que uma viagem sozinha traz.

Partiu no dia 30 de julho e voltou ao Aeroporto Afonso Pena dia 1º de maio de 2014, com quilos de chá e chaleiras na bagagem. Cerca de um ano depois, tudo isso estava em seu devido lugar em uma casa verde próxima à trincheira da Inácio Lustosa, no São Francisco.

A casa de chá Caminho do Chá, uma das facetas da marca. Foto: Divulgação
Com o portifólio de 12 blends próprios na bolsa, em 2014 bateu em cafeterias, confeitarias e bistrôs e começou a inserir a marca por Curitiba. Hoje, além do Paraná, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Santa Catarina e Rio Grande do Sul degustam seus blends e ela não precisa mais prospectar. Seu lema é não usar conservantes nem aromatizantes – a proposta atrai gente do Brasil inteiro.

Na Caminho do Chá (R. Inácio Lustosa, 1134 – São Francisco), há quem peça para ficar mais tempo com o cardápio para poder anotar o nome dos chás que já provou.

Entre junho de 2013 e o primeiro semestre de 2016, a curitibana fez um blog, blends próprios, inaugurou uma casa de chá com mais de 60 tipos da bebida, implantou o e-commerce, um clube de assinaturas, um canal no Youtube e o Instituto Chá. Parou por aqui – por enquanto. Ideias não faltam: ela tem mais duas linhas de blends autorais para lançar e em 2017 quer organizar excursões de 15 dias em países com tradição no cultivo e consumo da bebida, como a China, para que outras pessoas também mergulhem no seu universo.

Com um ano e meio de casa, como tem se desenvolvido o consumo de chá em Curitiba?

Quem já se acostumou a tomar chás especiais por um tempo quer provar os chás puros de origem como experiência. É mais difícil sentir aroma, notas e sabores em um chá que é puro, a degustação é como no vinho. Tem aumentado a venda de chás importados para consumo na casa e em breve vamos vendê-los. Temos 42 chás importados na Caminho do Chá e os mais procurados são rooibos, uma infusão da Africa do Sul, o Lapsang Souchong, um chá preto defumado da China, o Genmaicha, um chá verde com arroz selvagem tostado do Japão e o Dez mil milhas, que é um oolong da Tailândia com flores Osmanthus. E na Caminho do Chá vem desde a senhora que quer tomar um chá que ela vai reconhecer até as pessoas que querem provar o mais diferente ou confiam em nossa sugestão. Tomar chá não é mais coisa de senhora, temos reservas de grupos de meninas de 15 anos.
O chá ainda é visto como uma bebida feminina?

Os rapazes são minoria, mesmo que hoje a Caminho do Chá tenha mais homens como clientes, sozinhos ou em grupos. Estamos vencendo o preconceito pelo sabor. Na Inglaterra o chá das cinco é tido como mais feminino, porque, historicamente, o consumo do chá começou na com a reunião de mulheres nobres para exibir suas porcelanas, suas pratas. Na França, tanto o homem quanto a mulher consomem similarmente. Na Argentina percebi mais mulheres, mas aqui no Brasil é quase totalmente mulheres. Acho que as pessoas veem o chá como uma coisa muito delicada pela sutileza de sabores. O homem acha que chá não tem gosto, porque se comparar um chá sem aromatizantes ao lado dos chás industriais não tem sabor mesmo.
Quais as principais diferenças no consumo de chás nos países que você conheceu?

A forma ocidental de beber chá está diretamente relacionada com a forma inglesa: lanchinho, chá com doce. No Brasil tem quem acredito que chá é só para digestão e a bebida que acompanha uma refeição tem que ser gelada. Na China não tem isso, lá se toma chá o dia inteiro. Quando estudei mandarim em Xangai, descobri que todos os bebedouros são de água fervente. As pessoas têm o costume de sair de casa com uma térmica com chá e repor água o dia inteiro. Na fazenda de chá, mesmo nos dias quentes tomávamos chá. No interior é difícil achar uma garrafa de água gelada, porque não faz sentido para eles tomar água gelada. Na Turquia eles bebem chá o dia inteiro, como é o argentino ou o gaúcho com o mate. É muito de receber a pessoa, quando chega visita a água já está fervendo, como no Brasil com o café. Da província chinesa de Fujian houve uma migração para Taiwan e de lá para a Tailândia, eles levaram a cultura de consumo do oolong e a cerimônia do chá entre os dois países é parecida.

Quais os próximos passos da sua atuação como especialista e pesquisadora?

Meu caminho não tem fim. Enquanto especialista em chás estou muito feliz com o trabalho do Instituto Chá. É muito recompensador, porque no universo do chá não tem rixa, todos estão dispostos a compartilhar, a não manter segredos. Formar sommeliers é uma forma de difundir a cultura do chá em progressão geométrica. Quero que as pessoas saiam com vontade de dividir com outros, dar palestra, curso, abrir um restaurante, uma casa de chá, uma loja de chá. Enquanto pesquisadora, não quero parar de viajar. Em abril vou passar 40 dias viajando pela Índia, Nepal e Sri Lanka com o meu marido. Vamos na época da colheita e vou visitar a fazenda e a fábrica dos meus fornecedores. Na primeira viagem que fiz, em 2013, eu tinha os olhos da curiosidade, mas estava muito crua e a viagem foi se construindo. A maturidade de hoje me direciona de uma forma positiva.

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